No novo relatório “Prevenindo a próxima pandemia: doenças zoonóticas e como interromper a cadeia de transmissão,” divulgado ontem, cientistas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alertam que fatores como a intensificação da agricultura, aumento da demanda por produtos de origem animal, desmatamento e mudanças climáticas podem levar à emergência de novas pandemias que se originam em animais e depois de espalham em humanos, similares à Covid-19 (ou novo coronavirus).

Foto: We Animals
“Esses fatores estão destruindo habitats naturais e vendo a humanidade explorar cada vez mais espécies, o que aproxima as pessoas de vetores de doenças. Uma vez estabelecidas em seres humanos, essas enfermidades se espalharam rapidamente pelo mundo interconectado, como vimos com a Covid-19”, disse Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA.
O relatório explica que animais como vacas, porcos e galinhas podem ajudar a disseminar doenças porque agora são criados "em condições longe das ideais" para se obter maior produção. O fato de serem geneticamente muito semelhantes também os torna mais vulneráveis à infecção do que populações mais diversas. Para piorar, a maioria dos animais explorados para consumo são criados em em fazendas industriais, instalações de grande escala que confinam milhares de animais e não permitem distanciamento físico apropriado entre eles.
Em muitos países de média e baixa renda, como o Brasil, o PNUMA diz que há um significativo aumento no consumo de produtos de origem animal, fazendo a produção de carne crescer 260% e ovos 340% globalmente nos últimos 50 anos. Não surpreende que, de acordo com o relatório, “desde 1940, medidas de intensificação agrícola, como barragens, projetos de irrigação e fazendas industriais, tenham sido associadas a mais de 25% de todas as doenças infecciosas — e mais de 50% das zoonóticas — que surgiram em humanos."
Além disso, nos países mais pobres, destaca o PNUMA, existem fatores de risco adicionais porque a produção animal geralmente ocorre perto das cidades, onde a biossegurança e as práticas básicas de criação são muitas vezes inadequadas, os dejetos dos animais geralmente são mal gerenciados e antibióticos são largamente usados para mascarar más condições sanitárias ou práticas.
Destruição ambiental e criação de animais selvagens também são fatores de risco
A agricultura animal também está levando à destruição ambiental. “Cerca de um terço das terras cultivadas são usadas para alimentação animal. Em alguns países, isso está impulsionando o desmatamento ”, afirma o PNUMA. O desmatamento desempenha um papel importante no agravamento das mudanças climáticas, um fator que aumenta o risco de pandemias. A destruição de florestas nativas tem sido associada a um aumento de doenças infecciosas, como dengue, malária e febre amarela.
O relatório também explora a demanda crescente não apenas por carnes tradicionais, mas também pela carne de animais silvestres, o que está levando à criação de novas espécies em fazendas. Este é um dos fatores que explicam o surgimento de SARS-CoV e SARS-CoV-2 no Leste Asiático e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV), transmitida de camelos dromedários para seres humanos, uma vez que os sistema de produção de camelo mudaram de sistemas extensivos para intensivos. Identificada pela primeira vez na Arábia Saudita, a doença já se espalhou para 27 países.
ONG pede aos líderes brasileiros que tomem medidas
As conclusões do PNUMA foram bem-vindas pela Sinergia Animal, ONG que defende o veganismo. "Nós poderíamos estar vivendo uma realidade muito mais sustentável e segura, se não fosse pela forte demanda de proteína animal", diz Carolina Galvani, presidente da organização. "Não podemos mais confiar tanto em um sistema alimentar que coloca nossos ecossistemas e saúde em risco".
A ONG lançou uma campanha chamada “Antes que seja tarde”, que pede aos líderes brasileiros que tomem medidas para evitar futuras pandemias, interrompendo o desmatamento, interrompendo o uso irresponsável de antibióticos em fazendas de animais e mudando sistemas alimentares para que se tornem menos dependentes da produção animal. Clique aqui para assinar: change.org/pandemiasbrasil
Da mesma forma, o PNUMA pede a abordagem “one health”, que é um método que busca compreender a complexa relação entre meio ambiente, biodiversidade, sociedade humana e doenças humanas, unindo conhecimentos em saúde pública, veterinária e meio ambiente. É importante, de acordo com o órgão da ONU, não apenas responder melhor a futuros surtos de doenças e pandemias, mas também evitar novos.