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Regulamentação de abate de fêmeas gestantes é inconstitucional, dizem especialistas

Atualizado: 6 de ago. de 2021


Foto por L214


A Associação dos Fiscais Agropecuários do RS (Afagro) e as organizações de proteção animal Animal Equality, Alianima, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Instituto Ambiental Ecosul, Mercy For Animals e Sinergia Animal estão encaminhando hoje para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) uma carta de repúdio ao artigo 7o da Portaria 365 de 16 de julho de 2021, pedindo sua revogação. O artigo normatiza o abate de vacas em fase final de gestação, o que é considerado uma prática de maus-tratos e, portanto, uma violação à Constituição Federal que proíbe a crueldade animal (art. 225, §1o, VII da CF).


Em nota de repúdio, as organizações dizem que “é inaceitável e lamentável que o Mapa faça uso de uma Portaria que trata de abate humanitário e bem-estar animal para permitir o abate de fêmeas em fase final de gestação e de seus fetos”.


O transporte é considerado um grande desafio do bem-estar animal, por ser uma etapa extremamente estressante na vida dos animais explorados para o consumo humano, sendo ainda mais crítico para as fêmeas gestantes. O peso do útero e do feto de uma vaca prenhe, por exemplo, pode chegar a 75 quilos e a um volume de 60 litros, o que torna o transporte extremamente exaustivo, e condições especiais de transporte para fêmeas prenhes não são prática padrão da indústria.


"É inadmissível que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que deveria zelar pela proteção dos animais criados para consumo humano, publique uma norma que legalize uma prática de maus-tratos, ferindo o que está disposto na Constituição e na Lei de Crimes Ambientais que garantem a proteção a todos os animais”, diz Carla Lettieri, diretora da Animal Equality.


A publicação da Portaria 365 surpreendeu os especialistas que vinham se mobilizando para denunciar o aumento do número de vacas prenhas abatidas desde de 2017, quando foi alterado o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), permitindo o uso de carne de fêmeas prenhes para consumo. De 2017 a 2020 o abate de vacas no terço final da gestação aumentou em 1.270%, de acordo com dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul.


Foto por L214


“O abate de vacas em fase final de gestação traz um grande sofrimento também para os colaboradores envolvidos neste processo. É comum trabalhadores de frigoríficos relatarem aos fiscais a grande tristeza que sentem diante das cenas em que o feto, ainda dentro do útero, se debate na barriga da vaca durante a sangria”, diz Raquel Cannavô, médica veterinária, fiscal estadual agropecuário e representante da Afrago. “Estas cenas também geram um abalo psicológico muito grande para os fiscais agropecuários, que se sentem impotentes diante desta situação, em que não conseguem cumprir com um dos seus deveres, de exigir que sejam usados procedimentos humanitários para evitar sofrimento aos animais”, completa.


Em maio deste ano, organizações de proteção animal, juntamente com fiscais agropecuários e pesquisadores especialistas em bem-estar animal, enviaram uma carta aberta ao Mapa pedindo a proibição do transporte e abate de fêmeas em fase final de gestação, explicando tecnicamente porque essa proibição deveria ser feita.


"Não há nenhum estudo que garanta que os fetos no terço final da gestação não sofrem durante o abate da fêmea, pois ainda não temos uma ferramenta confiável para avaliar a dor fetal. Na dúvida, é melhor adotar o princípio da precaução e assumir que, sim, eles sofrem. Desta forma, além dos problemas relacionados ao bem-estar das fêmeas durante o transporte, também devemos nos atentar a essa questão dos fetos", explica o professor Mateus Paranhos, do Departamento de Zootecnia, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp de Jaboticabal), signatário da carta enviada em maio e um dos maiores especialistas em bem-estar animal no Brasil.


A nota de repúdio aponta também para o retrocesso da portaria, já que em alguns estados já é proibido o transporte ou abate de animais em período gestacional. O Código de Defesa e Bem-estar Animal da Paraíba, por exemplo, entende como maus-tratos abater animais em período gestacional, desde seu início até o fim (art. 7, § 2º, inciso VII). Já o Código de Proteção Animal do Estado de São Paulo veda transportar animais com mais da metade do período gestacional (art. 16, VI).

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